Potiguar radicado no Rio de Janeiro, o cantor e compositor Letto tem quatro discos lançados: "Pare, olhe, escute", de 2010; "Fotografia das falas", de 2011; "Daquelas que não canto mais", de 2012; e "Muda", de 2013 - álbuns recheados de lirismo e de experimentalismo, a partir de elementos do rock e do pop. Criador compulsivo, o artista conta um pouco sobre sua carreira e fala sobre o que chama de "Autobiografia Abstrata", elemento que permeia sua obra. FS - Você participou de diversos projetos em Natal, muitos deles ligados à poesia, elemento quase que central no seu trabalho. Foi daí que ela - a poesia - ganhou a força que ela tem na sua música? Letto - A vontade de compor canções me veio após ter contato mais íntimo com livros de filosofia e poesia. Essa relação com a leitura norteou os caminhos. Sempre frequentei sarais e eventos do gênero, como por exemplo, os do grupo potiguar "Sociedade dos poetas vivos", onde escritores e músicos se encontram para celebrar (a existência). Foi lá que nasceu a banda mais importante da minha formação como compositor: a "Elegia e seus afluentes". Foi importante porque a atmosfera do grupo era totalmente poético, assim, pude participar de um trabalho completamente autoral, associado a assuntos viscerais, e, de certa forma, mais denso. Toda essa experiência do grupo, somada às apresentações despretensiosas em carreira solo, me levaram para esse caminho. E, naturalmente, fui sendo convidado para eventos e acontecimentos desse universo lírico. Essa força, citada na pergunta, é totalmente baseada nas vivências pessoais. Resumindo, todo meu trabalho é, na verdade, uma AUTOBIOGRAFIA ABSTRATA. FS - Em 2011, você se mudou para o Rio. O que te levou a buscar "novos ares" para seu trabalho? Letto - Sou inquieto e preciso me sentir desafiado; tenho problemas com rotinas. Enfim, são apenas alguns pontos. Mas ter saído de Natal-RN envolveu muitas outras questões, desde a minha relação com a família; a relação da familia com meu trabalho; a relação entre mim e a arte. Não estava feliz com questões pessoas e as expectativas familiares sobre meu trabalho. Gosto das metrópoles e a arte que circula nela. Precisava sair de casa, conhecer novas tribos, gangues, paixões, precisava cortar o cordão umbilical econômico e ver se sou capaz de sobreviver na selva. Além do mais, mudar de cidade é uma experiência muito positiva. Evoluímos com mais intensidade, porque nos deparamos com o novo. O processo de adaptação é muito rico em vitaminas. E descobri que o melhor remédio para dar um "up" na relação com a família se chama "cair fora" - a distância aproxima as pessoas. Eu acho até que me aproximei mais de mim mesmo. Foi basicamente isso, além da busca pelo novo e seus atrativos. FS - Um ano apos chegar em terras cariocas, você e sua banda tocaram no Festival MADA para um grande público em Natal. Qual foi a sensação de voltar a tocar em sua cidade, depois de um tempo fora? Letto - Foi incrivelmente surreal e prazeroso. Surreal porque foi a primeira vez que respirei o ar da cidade, como alguém de fora: algo parecido com aquela expressão "cair a ficha". Me deparei com um o público conhecido e desconhecido. Era o que que eu queria de fato: olhar pro público e ver, além daqueles que já acompanhavam meu trabalho, perceber rostos completamente estranhos, mesmo estando no lugar onde vivi durante 25 anos. Foi um ano especial. Muito especial. FS - Além de já ter gravado diversos álbuns, que estão disponíveis na sua página do SoundCloud, você tem diversos vídeos produzidos em parceria com produtoras e com outros artistas. Como essas parcerias se dão e de que forma elas ajudam e divulgar seu trabalho? Letto - Bem, tenho gostado cada vez mais de me relacionar com outros projetos, e me envolver com a estética que cada um carrega, atingindo novas pessoas. Curto vivenciar esses encontros; faz parte do meu gosto por uma vida dinâmica. Valorizo muito a iniciativa de produtores independentes que chegam junto com propostas e disponibilidade de somar forças. As parcerias nascem de acordo com as afinidades que encontramos no trabalho do outro; e isso não tem limite, é um jogo aberto e vicioso. Basicamente as pessoas conhecem meu trabalho e me fazem o convite, daí vou realizando os que dão liga e assim vão nascendo esses vídeos. E que venha mais e mais parceiros... FS - O seu último álbum foi o "Muda", lançado ano passado. Como um compositor quase compulsivo que você é, suponho que já tenha algumas ideias sendo maturadas em mente. O que você pode adiantar para a gente aqui, sobre seus próximos projetos? Letto - Muitas ideias, como sempre. Mas se eu conseguir realizar 20% delas já seria bastante coisa - hehe. Sou compulsivo mesmo; a todo tempo estou criando e abandonando planos. Em minha mente, gravo 4 discos por ano. Porém, estou ficando cada vez mais compacto, não estou muito afim de elaborar discos, mas sim canções separadamente. É que cada obra minha já carrega dentro de si muitas informações, recortes; nunca falo de apenas uma coisa numa canção, por isso que soam cheias de metáforas. É a forma que encontrei de encaixar as ideias assumindo uma dialética aleatória. Minhas canções são, na verdade, uma "Autobiografia abstrata". E, seguindo esse formato que encontrei, o desafio é sempre o som: como vou soar nos próximos trabalhos. Já posso te adiantar que será tudo bem pessoal. Já estou escrevendo novas músicas e mixando, na minha mente, a atmosfera que pretendo obter. Os arranjos das novas histórias serão feitas exclusivamente por mim e acompanhados de uma base eletrônica. Devo contar com a ajuda do produtor Leandro Dias para a engenharia de som e a mixagem. Pretendo gravar todos os instrumentos. Acho que será justo comigo mesmo, pois vou abordar alguns assuntos que envolvem sensações físicas, e não conheço ninguém melhor do que eu para falar sobre meu corpo, meus sentidos e minhas células suicidas. |